Por Joao Ribeiro
•
15 de dezembro de 2025
O grupo poético Goiânia Clandestina acaba de retornar ao Brasil após uma intensa imersão artística e formativa em Moçambique , realizada entre os dias 15 de novembro e 5 de dezembro . A viagem integrou o Edital Goiás Mundo Afora e consolidou uma agenda robusta de atividades culturais, encontros literários e trocas simbólicas que fortaleceram o diálogo entre a produção periférica goiana e a cena artística moçambicana. Formado por Mazinho Souza, Flávia Carolina, Helena Di Lorenza, Thaíse Monteiro, Rafael Vaz e Baale , o coletivo participou de entrevistas para a imprensa local, debates sobre literatura negra, feiras do livro, rodas de conversa e do consagrado Festival Poetas D’Alma , além de apresentações que articularam poesia, música e performance. Para Mazinho Souza, um dos fundadores do grupo, a experiência reafirma a relevância do movimento. “Volto com a certeza renovada da importância do Goiânia Clandestina, tanto pela acolhida quanto pelo impacto que o grupo gerou em Moçambique. Essa vivência reforçou nosso senso de responsabilidade sobre o trabalho que realizamos, especialmente na promoção de artistas periféricos e na atuação cultural nas bordas da cidade”, afirma. Segundo o poeta, a passagem pelo país africano também provocou reflexões profundas sobre identidade e pertencimento. “Em Moçambique, percebemos que o Goiânia Clandestina é uma ferramenta direta e potente para reduzir desigualdades. Também tivemos uma compreensão invertida sobre a suposta distância entre Brasil e África. Para eles, essa separação não existe: a diáspora construiu uma multiplicidade africana, e o reencontro com a África-mãe faz emergir um reconhecimento comum.” Programação intensa e intercâmbio cultural A agenda teve início com uma rodada de entrevistas para veículos de comunicação moçambicanos, nas quais o coletivo apresentou sua trajetória e discutiu o papel da literatura periférica no Brasil. No mesmo dia, o grupo participou do lançamento do livro da escritora Énia Lipanga , ampliando conexões com jovens autores de Maputo. No Dia da Consciência Negra , o Goiânia Clandestina integrou a programação “Especial Paulina Doc” , no Instituto Guimarães Rosa, ao lado de José Castiano e Filimone Meigos . O encontro promoveu reflexões sobre ancestralidade, literatura e os atravessamentos da experiência negra em Brasil e Moçambique. O coletivo também foi convidado para o programa Mercado Criativo , da Televisão de Moçambique , principal emissora do país. Na atração, apresentou seus processos criativos e destacou a importância de iniciativas culturais periféricas como pontes entre territórios do Sul Global. Outro momento marcante foi a participação em uma roda de escritores na Fundação Fernando Leite Couto , reunindo autores brasileiros e moçambicanos em um diálogo sobre produção literária contemporânea. Na mesma noite, o grupo integrou o Sarau Poetas D’Alma , compartilhando versos, presença e performance em uma atmosfera de forte conexão afetiva com o público local. Poesia em diálogo com música e artes visuais A programação também incluiu o Soul’Acústico , encontro multicultural que reuniu poesia, jazz, soul e referências tradicionais. No palco, Baale, Flávia Carolina e Bhaka Yafole dividiram a cena com Lebombo , em diálogos que atravessaram experimentações vocais e poesia ritmada. A participação especial do saxofonista Gilson Jamal ampliou a dimensão sonora e simbólica do intercâmbio artístico. Estreia inédita no Festival Poetas D’Alma Encerrando a passagem por Moçambique, o Goiânia Clandestina se apresentou no Festival Poetas D’Alma , um dos mais importantes eventos de poesia performática do país. Na ocasião, o grupo estreou o espetáculo inédito “Clandestinos” , preparado ao longo de quatro meses e apresentado pela primeira vez em Maputo. A performance reuniu poemas autorais, textos consagrados da literatura brasileira e intervenções musicais, abordando temas como racismo, desigualdade social, a condição das mulheres, violência e o próprio fazer literário. A estreia marcou o ponto alto da agenda internacional, ampliando a circulação da produção periférica goiana no continente africano. Encontros com Paulina Chiziane e Mia Couto Entre os momentos mais simbólicos da viagem, o coletivo se encontrou com Paulina Chiziane , primeira mulher moçambicana a publicar um romance e vencedora do Prêmio Camões , e com Mia Couto , um dos autores mais reconhecidos da literatura em língua portuguesa. O encontro com Paulina aconteceu em um ambiente íntimo, marcado pela escuta, ancestralidade e generosidade intelectual. Suas reflexões sobre identidade, território e memória tocaram diretamente a essência do grupo, reafirmando a importância das narrativas periféricas e historicamente silenciadas. Já a conversa com Mia Couto aprofundou o diálogo Brasil–Moçambique. Em um encontro afetuoso, o autor refletiu sobre linguagem, memória e os vínculos históricos entre os dois países, reforçando a percepção de que não há distância real entre as narrativas que atravessam as duas margens do Atlântico. Para o Goiânia Clandestina, estar diante dessas duas referências foi testemunhar a palavra como instrumento de memória, pertencimento e transformação. Próximos passos A experiência em Moçambique reafirma o compromisso do coletivo com a formação, a produção independente e o fortalecimento de narrativas negras, periféricas e decoloniais , dentro e fora do Brasil. “Esperamos que essa viagem sirva de referência para outros grupos poéticos e autores independentes, mostrando o potencial da literatura como ferramenta de transformação. O trabalho continua agora do lado de cá, mirando novos horizontes”, conclui Mazinho. 📍 @goianiaclandestina